Por Sven Erik van ’t Veer
Quando o relacionamento internacional, onde há filhos com dupla nacionalidade, tem o seu fim no Brasil. Nestas situações, muitas vezes um dos pais quer retornar ao seu país de origem, levando a criança, enquanto o outro genitor quer que a criança fique no Brasil.
A Lei 8.069/90 determina que nenhuma criança brasileira pode sair do país desacompanhada de ambos os pais, conforme artigo 84, e sem autorização por escrito do genitor que não acompanha a criança. Na resolução 131/2011, o CNJ regulamenta o artigo 84 do Estatuto de Criança e Adolescente, no sentido de que, caso a criança é residente de país estrangeiro, tendo uma declaração consular de residência, tal autorização parental é dispensável.
Desta forma, quando no fim do relacionamento um dos cônjuges requer sair do país, levando os filhos consigo sem o consentimento do outro genitor, há necessidade de suprimento judicial. É claro que, nestes casos há questões a serem resolvidas: a guarda da criança, diante a nítida competência da justiça brasileira conforme artigo 21, inciso III, do Código de Processo Civil. Assim, o pedido de suprimento judicial seja ela anterior ao pedido de guarda, seja ela posterior, torna-se dependente à ação de guarda.
Diante a existência da ação de guarda e o fato da autorização de viagem ser consequência da concessão da guarda, fica evidente que o pedido de tutela de urgência referente à autorização é juridicamente impossível. Neste sentido:
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO – EMISSÃO DE PASSAPORTES PARA VIAGEM DE MENORES – AUTORIZAÇÃO DE VIAGEM PARA AS CRIANÇAS – DECISÃO SEM A OITIVA DE UM DOS PAIS DAS CRIANÇAS – OFENSA AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA – IMPOSSIBILIDADE – RECURSO PROVIDO – DECISÃO CASSADA. Embora o pedido inicial tenha sido de emissão de passaportes para viagem de menores, a causa de pedir foi a de autorização para os mesmos viajarem. Nulo é o despacho que enseja tal autorização, pois deveria ser precedido de contraditório e ampla defesa, pelo que o decisório é cassado.
TJ-SC – Agravo de Instrumento : AI 98693 SC 2002.009869-3, Segunda Câmara de Direito Civil, Rel. Monteiro Rocha, julgamento 07/11/2002
A jurisprudência acima citada se aplica ao presente caso, no sentido de que a causa de pedir da ação de guarda é a guarda da criança, e não a autorização de viagem, uma vez que a guarda somente pode ser decidida após assegurados a ampla defesa e o contraditório, e por isso fica impossível que seja decidido em sede de tutela a provável saída da criança do país. Ademais, o artigo 300, § 3o, do Código de Processo Civil, determina que a tutela de urgência não pode ser concedida caso há perigo de irreversibilidade da decisão. É claro que, uma vez extraída da jurisdição brasileira, a criança nunca voltará ao brasil, tornando impossível o devido processo legal sobre a guarda.
É importante esclarecer também que a decisão judicial em sede de cognição sumária, que permite a saída da criança do país afasta a incidência da Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças de 1980, ratificado em 19/10/1999, promulgado pelo Decreto 3.413 de 14/04/2000, especialmente se a decisão é por prazo indeterminado.
Assim fica claro que é impossível a concessão da tutela de urgência em caso de pedido de suprimento judicial para autorização de viagem quando ocorre o fim do relacionamento entre os pais aqui no país.